sábado, 30 de março de 2013

Chá de Boldo

    Sendo engolidos pelos tempo? Não, não. Isso foi ontem, ou semana passada, não sei dizer com certeza. Estamos sendo digeridos por ele, agora. Sendo preparados pra virar cocô, sabe? Bosta. Merda. Alguns demoramos mais a ser digeridos, temos muito a deixar pregado, impregnado na linha circular do tempo, antes de sermos tragados para fora; para ajudar nesses casos, ele sorve um adocicado e fervente chá de boldo.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Sobre o Mesmo

    Passei de música muitas vezes; não queria ouvir as mesmas de ontem, mas ela se repetiam mesmo assim. As prateleiras do supermercado era as mesmas da semana passada, com aquela falta de surpresas de sempre. Bob Dylan continuará sempre sendo o xis frango, mas eu não tenho o apetite de antigamente. Tenho, na verdade, a impressão de que foi apenas um sonho. Pode ter sido a fumaça que afugentou a nitidez, pode ter sido o trago que estragou minhas lembranças. A sorte do dia se repetia e nenhuma poesia brotava enquanto o dia passava; as vírgulas me trancam a goela e eu tento fugir para um ponto final, ao qual imediatamente renuncio, tentando dizer algo mais.

terça-feira, 26 de março de 2013

Sobre Pinceladas de Mistério

    Eu olhava pela única janela possível e jamais saberia explicar o que sentia. Foi um transe, saca.
    Ouvindo Neil Young eu mergulhei pesadamente em algum lugar em que não lembro de ter estado antes; nem reconhecerei se voltar exatamente lá, a visão era pouco nítida e nunca fui um bom observador visual. Me perco em lugares que já passei, as vezes, sabes bem.
    Ah, lembro de algumas coisas dessa viagem curta que eu tive. Lembro de estar num lugar iluminado, luz solar no sub-trópico, um belo efeito de fim de tarde. De alguns lados, uns prismas insuspectos cintilavam, sem a ousadia de um arco-íris que, não custava nava, poderia ter aparecido. Não que eu precisasse dele. Naquele momento, não precisava de coisa alguma.
    Foi um brilho que durou pouco e que me trouxe uma compreensão inexplicável. Ali eu o entendia, mas sabia que jamais seria capaz de explicar e que, no momento em que tentasse descrevê-la, esta compreensão evaporar-se-ia; como as gotículas colorizantes que permeavam minha vista, fadados estavam a desaparecer: aquele momento, aquela luz, esse sujeito.
    Eu não sei o que foi isso que passou por mim, esse trovão gorgolejante que veio me pegar pela canela, me jogar num rio ou na sarjeta. Não sei como chamar esse momento e essa luz. Sei, apenas, que eram mistério. Eram, portanto, belos.
    Chega de tentar.

terça-feira, 12 de março de 2013

Anoiteceu, meu amigo.

Anoiteceu, meu amigo;
O que trazíamos para hoje já se acabou;
E levaremos embora tão pouco;
O plano de ontem não funcionou;
Para amanhã, uma ideia melhor;
Mas estaremos no mesmo lugar;
Anoiteceu, meu amigo.

Sobre o Mistério

    Eu diria que há algo a se descobrir, sempre. Que existe um lugar novo dentro de um lugar velho. E que esse espaço que ocupamos por acidente, ou ao menos sem culpa, vem a ser uma indecifrável novidade que passamos a conhecer cada vez menos, a cada vez que mais descobrimos.
    Além, penso que passa muito por nós num encontro de dois estranhos, desses que nos ocorrem todo tempo, mas nos quais apenas raras vezes olhamos para o outro, ora, ainda mais raramente olhamos a nós mesmos, e por isso os chamei um encontro de dois estranhos: quem é esse aí que me encara todo dia no espelho? Parece que, de mim, aprendi mais, e vi mais, olhando em volta, pinicando olhares pras caras que não eram minhas, que apenas compartilhavam comigo um mistério sem saber, sem que eu também soubesse.
    Ora, que relação íntima tivemos, dividindo esse momento tão único; diante de uma questão não formulada, ali estávamos nós contemplando, sem saber, uns aos outros, tudo o que temos, tudo o que tivemos, na ânsia de passar desse espaço para outro; sem saber até quando ir, nem onde parar. Para dois universos minúsculos, tão egocêntricos que somos, preocupados em manter privada uma vida sem novidades, compartilhar silenciosamente um mistério tão grande, penso, talvez seja um absurdo, talvez seja um ato silencioso justamente pela incapacidade de reconhecer uma prática tão facilmente condenável, o compartilhar de um universo que nos une a todos, que rompe os pacotes, as membranas que usamos para separar o eu do tu, duas partes que, em verdade, sabemos e negamos, não existem em qualquer forma, sendo, apenas, uma ousada definição de mortais que ousam julgar-se cientes do que se passa a sua volta e em seu interior. Mas que interior é esse que não começa nem termina nem, portanto, existe? Ah, não, eu não posso cair vítima também desse golpe. Eu devo descobrir algo sobre nós e sobre nosso momento, algo que quebre esse acordo não assinado de silêncio, esse cárcere que respeitamos sem enxergar, algo que quebre a cara-de-pau que afirma ser único num universo onde nem é coisa alguma; cá estou eu em meio a outros que decidiram pensar por outros meios, e onde chegaremos? Vamos diretamente por um caminho único, muito maior que nossas pisadinhas insignificantes, direto para um borrão desconhecido chamado aqui, esse lugar de que pouco sabemos, que recém descobrimos ser algo além do que imaginávamos, cá estamos, correnteza rumo ao infinito, sabendo um pouco mais a cada era, rumo a uma gota de chuva na calçada, indo nos despedaçar inevitavelmente num choque com uma barreira construída por alguém que não sei denunciar. E nisso eu compreendo um pouco mais.

Na dura calçada e nas duras cabeças, sobre todos nós, um pouco de chuva deve cair.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Nem ninguém

Nem sol nem lua estavam errados.
Nem trovão nem rio.
Nem seda e nem saibro.
Eram apenas opostos, ou sequer isto, apenas distintos.
Mas houve quem quis o choque, quem os quis confrontar, quem queria entre eles um vencedor, arrancar dali os derrotados.
Havia, então, alguém errado.